Música, números e estrelas.

                 Sakura


Não existe nada mais bobo e sonhador que o sorriso de um apaixonado.


Paixão. Quando se tratava de Sasuke, essa palavra me enchia de medo. No entanto, era isso, não era? Estava apaixonada, embora ainda soasse uma conclusão precipitada. Mas além dessa possibilidade quase assustadora, quais seriam os outros motivos para as sensações do meu corpo? O frio na barriga; o coração acelerado; a necessidade urgente de me ver refém em seus braços; dona de seus pensamentos, beijos e olhares.


Após esgotar todas as desculpas, não tinha outra explicação para dar. Era inegável. E agora, ao vê-lo, não conseguia evitar sorrir, por mais que tivesse consciência de quão abobalhada parecia.


Nossa noite juntos havia sido maravilhosa, apesar do telefone de Naruto e o meu esquecimento quase colocar tudo a perder. Tudo acabara bem. Aliás, se dependesse dele nunca teríamos saído da cama. Sendo completamente sincera, também precisei ser forte para deixá-lo e correr até minha casa para tomar banho e trocar de roupa, antes de aparecer na ONG. Definitivamente, precisava me acostumar a dormir de conchinha com Sasuke, ainda mais quando ele parecia tão dedicado apertando meu corpo junto ao seu e beijando meu pescoço no meio da madrugada.


— Precisa de ajuda? — perguntou-me com o sorriso mais cínico e safado que possuía, tão logo cruzei o portão com os dois copos de café.


Deus, precisávamos disfarçar. Qualquer um que nos visse ali, entenderia o que estava acontecendo, principalmente depois de Sasuke acariciar meus punhos lentamente com a ponta dos dedos, enquanto fingia muito mal tentar pegar os copos de minhas mãos.


— Sim. Por favor. — respondi tardiamente.


Precisei de muita determinação para vencer a fraqueza nas pernas e me distanciar, seguindo a frente apressada. Qualquer tentativa de não ceder, no entanto, foi destruída assim que entramos em minha sala e ele deixou os copos sobre a mesa, vindo logo me agarrar com um beijo estarrecedor a fazer todo meu corpo arrepiar. Beijo que logo depois desceu por meu pescoço, associado a uma frenesia de mãos grandes ora me apertando, ora escorregando para a barra de meu vestido, subindo o tecido com urgência absurda.


Ainda não passava das 9 da manhã, e já estava como disposição suficiente para transar com ele ali mesmo, em cima da mesa; embora fosse contra meus princípios fazer esse tipo de coisa em meu local de trabalho.


Para me impedir de tal loucura, antes que fosse tarde demais, um tossido nada discreto se fez ouvir. Ino estava parada na porta, que certamente acabara de abrir. No susto empurrei Sasuke para longe.


— Ino — o nome dela quase travou em minha garganta. Tamanha vergonha senti que minha voz estava trêmula. Uma palavra maior me teria feito gaguejar.


— Sakura — respondeu, olhando de mim para Sasuke com sua expressão nada discreta de safada. Com um sorriso de canto, ao passar por mim em direção aos cafés sobre a mesa, ela apontou para um ponto na minha cintura, onde as faixas finas do vestido pendiam soltas. — Precisa de ajuda para arrumar isso aí, meu bem?


Sequer percebera quando Sasuke soltou o laço do vestido. Certamente, enquanto suas mãos corriam soltas e eu estava ocupada demais correspondendo todos seus beijos.


— Ino... hã... Esse é o Sasuke... O segurança... Digo, porteiro. — Apertando forte as pálpebras, respirei com calma e refleti no que cargas d'água acabara de dizer. — Ele estava me ajudando com os cafés.


— Ah, certo, Sasuke, o porteiro. Prazer em conhecê-lo. E obrigada por ajudar Sakura com os cafés, você parecia fazer um ótimo trabalho... Mas, sei lá, já não nos vimos antes?


— Algumas vezes. — Ele sorriu com todo seu charme, enquanto me observava arrumar o vestido e aparentando não se importar com a situação constrangedora na qual nos coloquei.


— Claro. Deve ser porque também trabalho aqui. — Olhou-me com a sobrancelha erguida. Ino gostava de piorar minha situação. Meu desconcerto não podia ser maior, mas ela dava um jeito de se divertir mais as minhas custas.


Eu quis enfiar minha cabeça embaixo da terra, porém como não podia, apenas dei as costas para os dois, fingindo arrumar minha mesa para iniciar as atividades do dia.


— Deve ser. De qualquer forma, o prazer é meu.


— Obrigada, Sasuke, pela ajuda. Pode ir agora — falei, com maior controle da situação.


— Claro. Se precisar de mim outra vez, é só chamar. — Essa frase, acompanhada de uma piscadela de evidente descaramento, foi o golpe final para me matar de vergonha, antes de ele sair fechando a porta atrás de si. Tal qual minha amiga, era um cínico sem limites. Um safado descarado. Seu rosto sequer ficara um pouco vermelho pelo flagrante, em comparação a mim com as bochechas queimando.


— Você é terrível, Ino. Não basta nos pegar no flagra, ainda precisa piorar tudo com seu cinismo?


— Acha que eu perderia a oportunidade?


Não. Ela não perderia. E eu não tinha razão para reclamar. A culpa era toda minha.


— Sua safada, vocês estavam quase se comendo. A última notícia que eu tinha, era "Ficarei longe de Sasuke". Se isso é ficar longe...


— Nos resolvemos ontem a noite. Ele me esperou depois do trabalho, conversamos e o fim você deve imaginar. Não tive tempo para contar.


— Vai contar agora. Acho que vou me contentar com "o fim você deve imaginar"? Faça-me o favor, Sakura. — Sentou-se, olhando-me de forma clara o suficiente que só me deixaria em paz depois de ouvir tudo. — Quero os mínimos detalhes. Principalmente os mais sórdidos: posições, se teve o lance do enforcamento de novo... Absolutamente tudo.


Tive que contar. Confesso quão hipócrita isso me tornava. Sasuke não estava sem razão quando me acusara por contar tudo a minha amiguinha, ao mesmo tempo que havia lhe pedido para não comentar sobre nós. Mas Ino era minha melhor amiga da vida toda, e uma mulher muito insistente, se eu não contasse, seria perturbada pelo resto da vida. Também precisava desabafar meus anseios.


Como imaginei, e é perfeitamente compreensível, Ino desejou me matar por eu ter deixado o Uchiha concluir as coisas de forma errada. Ele ficara certo de que o falso noivado estava nessa condição para todo mundo. Quando na verdade, só era assim para mim.


Meus pais haviam me convencido a dar outra chance a Naruto, concordei para não contrariá-los. De verdade não queria voltar, não me casaria, e, no entanto, tive de dizer ao meu antigo noivo que o deixaria tentar consertar as coisas. Parecia um bom plano na minha cabeça, fingiria estar me deixando ser reconquistada, mas só por tempo suficiente para meu pai recuperar a confiança do conselho da empresa, de forma que uma insatisfação dos Uzumaki não fosse capaz de resultar na sua perda da presidência.


Meu acordo com Sasuke estava assegurado, sobre sermos um do outro. Não permitiria uma real aproximação de Naruto, apenas aceitaria seus convites esporádicos para jantar e manteria a desculpa de precisar de mais tempo para lidar com tudo e aceitá-lo de novo em casa, apesar de a data do casamento não sofrer uma alteração.


O grande problema, de fato, foi eu não ter explicado toda história para Sasuke. Por medo de ele não querer continuar, não o impedi de fazer conclusões precipitadas. Sei que também foi errado minha disposição a mentir para Naruto, mas ele me enganara com sua advogada, e provavelmente continuaria a me trair caso voltássemos. Minha consciência só estava pesada por Sasuke, somente por ele.


Tive certeza de que, mesmo na hipótese de perdê-lo, precisava criar coragem para confessar toda a situação, visto que não havia conseguido conter meus sentimentos e me manter distante.


Ainda naquele dia, não o deixei entrar de novo na minha sala, tampouco fui para o apartamento dele a noite. No entanto, aceitei sua proposta para um encontro na sexta. Sasuke propôs um encontro de verdade, e não só uma visita para transarmos. Visto o problema em manter as aparências, preocupou-se em marcar algo em outra cidade. Achei que não era para tanto. Contudo, no caso em específico, a curta viagem se fazia necessária.


Na hora de sairmos, quase infartei quando descobri qual seria nosso meio de transporte. Sasuke pegara a moto do irmão emprestada. Foram quase 2 horas desestabilizantes na estrada, eu agarrada a ele como se não houvesse amanhã, os olhos fechados o tempo todo e inúmeras súplicas para não sofrer um acidente. Graças a deus chegamos bem ao destino: um observatório em uma das montanhas da pequena cidade.


A área, como um todo, era um conjunto de pequenas estruturas com um grande estacionamento e rodeado pela mata fechada. Fomos recepcionados por um homem alto, mas lá dentro, numa sala no fim do corredor, estavam mais 3 pessoas. Todos aparentemente conheciam Sasuke. Brevemente fui apresentada, antes de seguir por um corredor escuro acompanhada apenas pelo Uchiha. Não estava entendendo nada, simplesmente o seguia como um fantoche.


Mesmo no escuro, subimos por uma escada estreita, de degraus curtos e leve curvatura em caracol. O primeiro espelho era mais alto que os demais, Sasuke me avisou antes para que eu não me desequilibrasse. Mesmo assim, perdi o equilíbrio, precisando ser socorrida por ele para não cair. Na verdade, não prestara muita atenção na recomendação, me distraíra com a visão sobre nossas cabeças, revelando-se mais deslumbrante a cada patamar vencido.


No fim da escada havia algo como um terraço. Um espaço com três bancos de praça espalhados, e dois telescópios dispostos a esquerda e a direita. Fazia frio. Muito frio. Até me encolhi um pouco. E entendi a preocupação de Sasuke em me fazer colocar um casaco antes de sairmos. Contudo, o que representa um pequeno desconforto de temperatura diante de uma vista magnífica? Não haviam luzes artificiais, estaria tudo no mais completo breu se não fosse a luz das estrelas.


Era lindo. Uma visão de tirar o fôlego. Aquelas que te fazem esquecer de respirar, e quando você se dá conta está perdido num sentimento extasiante.


Há muito tempo não via um céu como aquele. A poluição da cidade havia me feito esquecer como há tantas estrelas lá fora, como são bonitas e, principalmente, como brilham intocáveis a noite.


— Não veremos o telescópio maior. Mas espero que goste desses aqui.


— Vamos usar os telescópios? — Ele meneou afirmativamente, mexendo no painel do equipamento. — Meu Deus! Eu já estou deslumbrada com a vista a olho nu. Acha que posso mesmo não gostar de alguma coisa?


Seu sorriso demonstrou quão boba eu estava parecendo. Tinha como não ficar boba?


— Venha aqui.


Aproximei-me transbordando de ansiedade. Nunca tivera uma experiência parecida. Era tudo novo e animador para mim. Sequer sabia como me portar direito, se sorria, se prestava atenção nele, se o enchia de perguntas sobre como conseguiu um encontro assim, ou se apenas aproveitava.


— Está vendo ali? — Apontou para cima, mostrando-me o ponto que mais brilhava no céu depois da lua.


— A estrela? Estou vendo.


— É um planeta.


— Como sabe?


— O tamanho, a cor, o brilho... Ele não pulsa, percebe?


— Aham.


— Está olhando para Saturno.


— Como sabe que é Saturno?


Sasuke riu, uma risada anasalada. Não era comum ele sorrir assim.


— Pela data e a localização. No domingo, estará ainda mais perto da terra. De qualquer forma, hoje também é um bom dia para observá-lo, por isso é o primeiro que vou te mostrar. — puxou-me para mais para perto, indicando-me o lugar onde encostar o olho.


Com certeza eu queria continuar perguntando como ele sabia todas aquelas coisas. Porém, a curiosidade para ver um planeta foi muito maior. Bastante ansiosa, fiz o que me foi recomendado.


Eu vi Saturno, uma bolinha alaranjada e seus anéis. Meu sorriso foi tão imediato quanto a sensação estranha no peito, que não sabia se ainda era só o efeito da ansiedade ou a consequência de uma satisfação pelo vislumbre do que até então me era desconhecido. Não que nunca tivesse visto em livros e ilustrações. Mas é totalmente diferente quando se está olhando para o objeto de verdade. O planeta lá no céu, do sistema solar, distante para chuchu; e não uma gravura ou fotografia captada por satélites no espaço e telescópios aos quais nunca tivera acesso. Eram meus olhos sobre ele. Não havia um intermediador, além do que me parecia uma grande lente de aumento.


— Está vendo?


— Sim... É tão lindo.


— É só o primeiro.


Só o primeiro... Já estava impressionada por uma vida. Nunca esqueceria daquela noite. É como andar de bicicleta, e tantas outras coisas sentimentalistas da vida, você não esquece. E Sasuke estaria junto a essa lembrança sendo fabricada em minha cabeça.


Ele depois me levou para o outro telescópio. Mostrou-me as Três Marias a olho nu, para efeito de localização, então novamente me indicou observar pelo aparelho. Enquanto analisava encantada cada detalhe do conjunto de estrelas, sua voz rouca me dizia exatamente o que eu estava vendo. A constelação de Órion, dessa vez. Às três marias, no caso, formam o cinturão do gigante que segura uma lança. Eu vi tudo isso: o cinturão, as pernas, o braço, a lança... É engraçado como as estrelas formam imagens, ou como a mente humana sempre busca explicações para tudo, recusando qualquer ideia de caos.


Estava divagando exatamente sobre isso. Percebi talvez um pouco tarde que Sasuke não mais falava. Quando parei de observar a constelação e busquei por ele, o vi mexendo no painel do primeiro telescópio.


— Não vai quebrar? — Perguntei, realmente preocupada.


De novo, sua risada foi minha resposta. Aparentava se divertir com minha ignorância. Se eu perguntava e me preocupava era justamente por falta de justificativas.


— Estou falando sério.


— Já trabalhei aqui, Sakura. Sei o que estou fazendo.


— Como assim, já trabalhou aqui?


— Como acha que consegui a visita?


Sem saber direito o que achava, visto que ainda não havia conspirado sobre isso, pensei com meus botões. Era realmente estranho as pessoas o conhecerem. Mas sei lá, talvez fossem só contatos.


— Quando estava na faculdade...


— De matemática?


— Isso, de matemática. Como ia dizendo, — riu com o canto da boca, do seu jeito único e peculiar, provocando-me pela interrupção. Suponho que fiz um bico, pois Sasuke dedilhou meus lábios, como quem achava graça do que via em meu rosto; só então prosseguiu: — O observatório é da universidade. Eles costumam trazer estagiários das escolas de astronomia, meteorologia, física, matemática... Quando estava na faculdade me inscrevi no programa e fui aceito.


— Você gostava?


— Pra caralho.


Ignorei o caralho. Estava disposta a não me importar com os palavrões dele, desde que não os usasse como ofensa.


— E quando acabasse o estágio poderia conseguir o trabalho aqui?


— Provavelmente.


— Então por que saiu? Digo, por que abandonou a faculdade, se gostava do seu estágio e podia trabalhar com isso depois?


O semblante dele mudou. Tinha a impressão que Sasuke sempre se incomodava quando eu demonstrava querer saber mais sobre sua vida. Ele havia me dito que nosso lance não era apenas sexo, com suas demonstrações de preocupação e fofa dedicação realmente parecia disposto a me tratar como algo além de uma garota aleatória em sua cama, mas ainda se recusava a conversar comigo sobre qualquer coisa de sua vida, colocando uma barreira entre nós que eu não conseguia atravessar. Por mais que quisesse, inclusive para diminuir minhas próprias barreiras, não sabia muito sobre ele.


— Não estava mais afim — respondeu da maneira mais desinteressada possível. — Venha aqui. Só podemos ficar até as 10.


Eu fui, é claro; com o mesmo sorriso de antes. Embora precisasse saber mais, achei que não fosse o momento, afinal tínhamos pouco tempo, qual eu não queria usar sendo insistente com questões que nos levaria a algum desconforto.


— O que vê? — perguntou-me, tão logo alcancei o ocular.


— Não sei bem. Parece uma nuvem dispersa e colorida... É a coisa mais linda que já vi.


— É a nebulosa de Órion, um berçário de estrelas. Está bem abaixo das Três Marias que viu antes. Se olhar bem perceberá que dentre o gás há vários pontos iluminados, brancos e azuis.


Precisei empregar toda minha concentração e atenção para enxergar o que ele me dizia. Aos poucos a imagem foi tomando forma e sentido, tornando-se mais incrível a cada novo detalhe apresentado de sua total beleza e complexidade.


O universo é incrível. Eu tive mais certeza disso. E me provocou uma angústia existencial, como esses vislumbres, mesmo tão pequenos se comparado ao grande mistério lá fora, vasto e silencioso, tonaram-me tão minúscula e inexpressiva. Acredito que a existência deve ser sempre exaltada e há um propósito para tudo, até um minúsculo grão de areia ou tipo de vida mais simples; no entanto, não deixou de ser inquietante como me pareceu, numa súbita crise, que era de uma grande presunção me considerar especial.


— Está há aproximadamente 1.400 anos-luz de distância — a voz dele se fez novamente presente, enquanto eu, impressionada, não conseguia parar de olhar. — Já lhe falaram antes que o presente não existe?


— Não.


— Há sempre uma distância a ser vencida, por mais que seja curta. Tudo que você ver, sente e escuta, já aconteceu. Nesse caso, essa distância é enorme. Está olhando um passado remoto, Sakura.


— É como viajar no tempo. — observei. Era assim que estava me sentindo realmente.


Depois, meu guia astronômico particular ainda me mostrou a lua. A última da noite. No fim, sentou em um dos bancos, e eu me deitei, usando de suas pernas para apoiar minha cabeça. Ele me olhava; eu, sem perder o fascínio e em minha crise, ainda olhava para cima, para o céu.


— Qual o tamanho do infinito? — Perguntei-lhe.


— Hã?


— Naquele dia do apagão, disse que calculou o infinito, e achava que o universo é como um espeto de uvas.


— Não lembro exatamente, preciso procurar em minhas anotações mas estava entre -0,05 e -0,10.


— Um número negativo? — Ri do disparate.


— É. Um número negativo. Se pensar justamente no fim da linha, no ponto de inversão, sim. Mas acho que quando me pergunta sobre o infinito, está querendo saber algo como um raio máximo do universo. Isso eu não sei. Desisti das equações antes de enlouquecer.


— Está mentindo.


— Por que eu mentiria?


— Não sei. Para me fazer de boba, talvez.


— Não quero te fazer de boba.


— De qualquer forma, isso é um número que você calculou, certo? E não dos caras da Nasa.


Ele riu alto, de novo.


— É. É o meu número. Não tem que acreditar nele. Mas devo dizer que, para chegar nesse resultado, considerei coisas como a somatória de todos os números naturais do infinito, -1/12. Esse valor é usado em alguns cálculos na física, com o intuito de ser chegar a resultados conclusivos, e funciona.


— Está brincando comigo.


— Já disse que não.


— Então é algum tipo de gênio ou coisa assim?


O sorriso dele foi bem sonoro. O mais alto da noite.


— Não. Sou só um cara sem ter o que fazer e que gosta de sentar na varanda para fumar um baseado e pensar em coisas aleatórias. Durante um tempo minha brisa era essa. Fiquei obcecado por esse tipo de coisa. Pelos números, por essa agonia que é não saber de onde viemos e para onde vamos, o bem e o mal, a verdade...


— E agora?


— Agora não acredito mais numa divisão de águas. Não acredito numa verdade máxima. Acho que tudo são consequências, e não importa quão dedicados estejamos a descobri a priori do mundo, do homem, sempre chegaremos a um lugar do qual não é possível prosseguir, nossa mente não deixa. Veja, até o ser humano é muito complexo para que nos atrevamos a tentar defini-lo ou julgá-lo através do nosso limitado e restrito conhecimento da verdade, porque é possível que nem mesmo a verdade exista, então estaremos num jogo do qual a perfeição e o egoísmo se juntam num único ponto, um ponto até muito conhecido, o próprio umbigo. Às vezes você define todo um julgamento sobre alguém, mas então descobre o porquê de tal pessoa ser o que é, e percebe que é um produto de fatores adquiridos em experiências, traumas... Logo, se não consigo compreender sequer a complexidade de uma pessoa, como posso desvendar o universo? Se, como se não bastasse, em partes as fórmulas foram inventadas para se chegar a um resultado conhecido, e não descobertas em todas suas singularidades? O universo é perfeito. Mas é como diz a teoria da incerteza, o ato de observar modifica o objeto observado. Considere isso tanto nas relações humanas, quanto na física.


— Esse é quem você é, Sasuke?


— Como assim, quem eu sou?


— Alguém diferente do guarda de poucas palavras e com jeito de bad boy. Pergunto se, por baixo da máscara, você é esse cara com paixões, obsessões... Tudo que você faz é intenso. Quando toca, é como se fizesse amor com o instrumento, há uma frenesia e entrega inexplicáveis, é como se nada mais importasse. Quando fala de números e fórmulas e... não sei, todas essas coisas, tenho a impressão que seus pensamentos são completamente consumidos, seu espírito parece não estar no mesmo lugar que o corpo... Acho que é isso, você é movido por obsessões: números, música, astronomia, algum tipo de filosofia própria...


— Você. — Interrompeu-me.


— Então sou uma obsessão, também? — Ergui-me surpresa, pondo-me diante dele, seu corpo sendo fechado por meu braço que buscava apoio na parte alta do banco. Sasuke não desviou o rosto. Olhou-me fixamente. — E um dia, quando questionado sobre mim, dirá apenas mais um "Não estava mais afim".


— Não foi o que eu disse.


— Todas as coisas na sua vida são assim. A orquestra, a faculdade... De repente, simplesmente não está mais tão interessado, então se volta para uma nova paixão. Acho que somente gosta da emoção dos começos, do prazer e mistério de uma nova conquista. Não está interessado em uma vida comum, nas rotinas, os desgastes do dia a dia... Uma hora, as coisas simplesmente perdem a graça, não é?


— Eu me canso do que adestra, Sakura, seja meu espírito ou a arte. Larguei a orquestra, não a música. Larguei a faculdade, não a lógica ou a habilidade em entender padrões e fórmulas.


— Largará a mulher, não a paixão.


— Com você é diferente. Me sinto preso, mas não quero fugir. É mais como um vício. Eu sei que sou refém, sei quão ferrado posso ficar, mas quero mais, sempre mais, e não posso suportar me ver sem, porque a abstinência é horrível.


— Isso me assusta.


— Não precisa ficar assustada. Não pense que sou um fodido de um louco. Não vou pedir nada além do que pedi até agora. Eu lhe disse, será nos seus termos.


— O problema é justamente esse. O que me assusta é também me sentir assim, uma dependente, tentada a ficar com você, por mais que seja tão errado. Não sei nada sobre você, tenho medo de continuar fechando meus olhos para as dúvidas, e, quando perceber, estar envolvida demais para tentar sair sem sequelas.


— Sabe muito sobre mim. Conhece meu irmão, sabe quem são meus pais, amigos, e que me chamam de morte. Sabe onde trabalho. Sabe que agora toco em uma banda, e já fui de uma orquestra.


— Isso não é suficiente.


— O que mais precisa saber para ir ao meu apartamento e foder comigo escondido, quando o resto das pessoas acredita que irá se casar com Naruto Uzumaki? Ver? Há uma grande diferença entre quem aparentamos ser e quem somos de verdade. Não interessa o que falo, ou o que já fiz. O que importa é quem sou quando estamos juntos. E não acho que tenha lhe dado motivos para se sentir insegura comigo ou em perigo, além é claro... — sorriu, deslizando a língua sobre o lábio. — O meu fetiche em apertar seu pescoço.


— Não tente desviar do assunto. Sabe do que estou falando. — Esperei uma palavra que não veio. — Me diga por que foi preso.


— O que isso importa?


— Importa muito para mim. Não vou conseguir ficar tranquila sem saber o que houve. Não tem como ignorar, entende? Continuarei fazendo teorias, tirando conclusões que talvez não estejam nenhum pouco certas. Isso me deixa paranoica. Outro dia, pesquisei seu nome Google, você não tem nada, nenhuma rede social. Nada! Preciso que me conte, Sasuke, preciso que fale a verdade para mim, ou também me sentirei no direito de não ser totalmente sincera.


— Pesquisou meu nome no Google?


— O que esperava de mim? Você não me diz de uma vez o que aconteceu. Mantém-me as cegas sobre o seu passado.


Houve um longe silêncio. Ele levantou. Ficou parado de pé com a mão na têmpora, olhando fixamente um ponto no chão, até finalmente revelar:


— Crimes cibernéticos e tráfico de drogas... Fui acusado de ser o administrador de um site de compra e entrega de drogas.


— Como? Como isso é possível?


— Um site na Deep Web. Você compra, paga com criptomoeda e o pedido chega na sua casa.


— O que vendia no site? Maconha?


— Maconha e Ecstasy.


Precisei de um tempo para digerir a informação.


— Você fez isso? — perguntei, torcendo inutilmente para não ser verdade.


Realmente não me importava que ele fumasse um baseado a noite em sua casa, mas traficar estava totalmente fora do que considerava aceitável. Eu atendia a jovens de uma área carente da cidade, sabia qual a realidade onde moravam e quão destrutivo pode ser o vício nessas substâncias. Mesmo que indiretamente, a ONG lutava contra isso, eu lutava contra isso, contra o fato de que aqueles garotos só tivessem acesso a uma realidade dilacerante de uma vida sem oportunidade e entre o tráfico.


— Se todas as acusações fossem verdadeiras, ainda estaria preso. Fui condenado a 5 anos, fiquei 2 anos no semiaberto e agora estou no último ano do domiciliar. Tenho uma tornozeleira, Sakura, se não a tenho usado, é porque descobri como entrar no sistema para tirá-la. Mas geralmente ela está em minha mochila. Eu sequer poderia estar aqui sem avisar antes a um juiz; você pode me denunciar por isso se quiser... Mas saiba que só foi provada minha culpa na criação do site, eu não era o administrador. Isso é o que importa.


— Só foi provado? Pelo amor de deus, você fez ou não? — Isso importava. Não o milagre que algum advogado tenha conseguido para libertá-lo.


Ele demorou a responder.


— Apenas fiz o site.


— Mas conhecia quem administrava?


— Sim. Conhecia. E o que isso importa? Estou dizendo que só fiz o site e caí fora, não tive nenhum lucro sobre vendas ou qualquer coisa do tipo. Quanto ganhavam ou se vendiam mais do que maconha, não era problema meu.


— Como não? E se fosse, sei lá, tráfico de pessoas ou venda de órgãos?


— Se fosse para isso, não teria feito.


— Qual a diferença?


— Qual a diferença? A diferença é que se a pessoa quer fumar maconha, que fume, se quer usar ecstasy, que use. É uma escolha. Não tenho que me meter na vida dos outros. Cada um é livre para escolher o que faz com o próprio corpo. Tráfico de pessoas ou de órgãos não é uma decisão pessoal, não é uma escolha do indivíduo sobre o próprio corpo.


— E que escolha tem um viciado? Você, pelo menos, já se importou em ouvir as histórias dos meninos que atendemos? Das pessoas que perderam tudo, e hoje vivem nas ruas?


— Quem compra criptomoeda não são os meninos da sua ONG, muito menos moradores de rua. O público do site eram pessoas de classe média a alta, garotas assim como você; compravam para usar em casa, sem interferir na vida de ninguém. Mas isso não vem ao caso, para você não faz diferença, não é? E sinceramente, não discutirei sobre isso. Pode me pedir para parar de fumar ou não xingar tanto, mas não pode mudar minha forma de pensar. — Foram suas últimas palavras, antes de sair andando em direção a escada, de costas para mim e visivelmente contrariado.


Fiquei um tempo sozinha ali, pensando em toda situação. A verdade me deixou bastante abalada. Não conseguia entender e aceitar como alguém tinha esse pensamento.


Ao finalmente sair, passando rápido pelas salas para não deixar o grupo de pesquisadores notar minha condição de abalo, no estacionamento Sasuke simplesmente me entregou o capacete e perguntou meu endereço da maneira mais indiferente possível. Subiu na moto, arrumou o próprio capacete na cabeça e me esperou subir, dando a partida tão logo o abracei para me segurar firme. Durante o caminho, não houve conversa, também não é como se existisse essa possibilidade. E uma vez na cidade, ele não seguiu para o seu apartamento, em vez disso me deixou em casa.


Quando a moto parou, fui meio que obrigada a descer pelas condições. Entreguei o capacete e esperei que Sasuke dissesse algo, mas durante alguns instantes só existiu uma silenciosa troca de olhares.


— Agora você sabe — disse enfim. — E se depois de tudo ainda quiser continuar comigo, sabe onde me encontrar. Só vou perdi para colocar seu número de telefone aqui. — Entregou-me o celular, acabara de o tirar do bolso. — Ainda não tenho.


Fiz o que me pediu, e com um adeus sussurrado entrei no prédio. Minha noite depois disso não foi fácil.


No dia que bati na porta dele após decidir terminar o noivado, disse que não o estava pedindo em casamento. Por outro lado, a bem da verdade, nunca fui do tipo que faz sexo casual e namora apenas por namorar. Eu queria casar, ter filhos, um marido comum... E não sabia se Sasuke corresponderia essas expectativas. Se ele também queria ter uma família e ser pai, ou se apenas gostava desses relacionamentos intensos, porém com prazo de validade. Um cara comum, agora tinha mais certeza que isso era tudo que Sasuke não era. O complicado foi eu ter me apaixonado. Sabia que não deveria me envolver, não deveria chegar perto do fogo.


A questão é que, no fim, ele podia ser o que fosse, mas importou muito para o meu coração quem ele era comigo: um cara maravilhoso. Desse ponto de vista, só podia me sentir culpada por estragar a noite com minha vontade de querer resposta em detrimento da ignorância.


Nossa relação, se é que podia chamar assim, estava toda errada, principalmente pelas condições consequentes da minha inabilidade em desobedecer os meus pais. No mínimo deveríamos ser sinceros um com o outro. Se, depois de tudo, me dispusesse a manter o que tínhamos, também precisaria ser totalmente honesta.


Pensar bastante antes de qualquer decisão, pareceu-me uma opção prudente. E, no entanto, não consegui dormir. Havia o peso das escolhas a me fazer virar de um lado para o outro na cama. Também, indiscutivelmente e sem noção tinham os sorrisos bobos pelas lembranças da parte boa da noite, que me escapavam mesmo na aflição. Fora um bom encontro, o melhor que já tive, sem considerar o desfecho.


Se conseguisse ser menos eu e mais como Sasuke Uchiha, teria aceitado numa boa. Ele estava cumprindo sua sentença, e caso não se envolvesse mais com essas coisas, estaria tudo bem. Não seria eu a continuar uma condenação que fora encerrada. Contudo, tão importante quando o fazer, era a forma de pensar. Por mais que cumprisse sua pena, ficara claro para mim que Sasuke não se sentia como quem carrega uma culpa.


Foi estranho. Acho que naquele mesmo instante ele também pensava em mim, pois meu celular vibrou com uma mensagem dele que dizia "Sou eu. Esse é o meu número, caso queira ter na agenda".


Antes mesmo de adicionar o contato, comecei a escrever "Estou pensando em nós, não consigo dormir". Porém movida por incertezas e medos grandes demais, apaguei parte da frase e enviei "Não consigo dormir".


Imediatamente o telefone tocou, uma chamada de vídeo. Meio no susto, atendi. Prejudicial ao meu coração fraco, a imagem dele sem blusa e o braço do violoncelo perto do peito surgiu na tela.


— Estava tocando — explicou, a voz ainda mais rouca em ligação. — Se quiser, posso deixar a câmera ligada. Quem sabe ajuda na sua insônia.


— Seus vizinhos não se importam? — Isso foi o que mais de idiota poderia perguntar, quando obviamente Sasuke estava sendo, pela milésima vez, muito atencioso comigo. Ele apertou os olhos, daquele jeito desdenhoso.


— Não faço tanto barulho.


— Eu adoraria — tratei de esclarecer. — Seria muito gentil da sua parte.


Com um sorriso, dessa vez um tímido arquear de lábios, Sasuke arrumou o celular sobre a mesinha de centro da sala. Também arrumei o meu, de modo que pudesse dormir confortável, e ainda assisti-lo enquanto acordada. Ele tocou Cello Suite No.1, depois Adagio for Strings, que só sei o nome por tê-lo ouvido sussurrar em minhas passagens entre os delírios do início do sono e a realidade. Recordo-me somente dessas. Foi tão tranquilizante que caí num sono pesado antes mesmo de uma provável terceira canção.

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