Primavera, dia um

- "O beijo", de Klint, é o nome do quadro. Uma obra muito detalhada e extremamente importante no Simbolismo, que traz elementos...

- Teacher, sinceramente, eu desenho melhor que isso aí! - disparou o insuportável do Matheus, pra atazanar a aula do professor novo. Zero noção, não preciso nem destacar, né? 


- Cala a boca, Matheus! - Pedro Henrique, o segundo cara mais impossível da sala, e o único por quem Matheus tem um pingo de respeito, conseguiu salvar o momento. Mas eu continuava intrigada: por que a Glorinha não tinha vindo dar aula? Ela não falta nunca! A professora de literatura mais maravilinda do mundo, sério... No lugar dela, estava esse professor Gustavo. Ele tinha um ar meio pedante, mas como era apenas um substituto, não me importei muito. Olhei para as minhas pernas expostas, tremendo no ar condicionado. Era o primeiro dia de primavera. Eu me lembro porque a previsão do tempo no dia anterior era de sol puro; a apresentadora do jornal da manhã, impecavelmente florida e magra, havia anunciado o que parecia ser a única notícia boa do dia:


"- Amanhã, teremos muito sol, todo mundo pode deixar o guarda-chuva em casa e aproveitar bastante o dia lindo" - ela disse.


Choveu.
E obviamente eu era a única na sala com as pernas de fora! Valentina, minha melhor amiga (será?), não perdeu a chance de alfinetar:


- Olha ela, veio toda de shortinho pra mostrar as pernocas pro Pedro Henrique... - cantarolou.


- Tina, já falei pra você parar com isso, o Pedro é um amigão meu. Não tem nada a ver!


- 'Miga, você fala isso sempre! Todo cara que se aproxima vira "amigão" e depois você dá um jeito de afastar. Eu acho sabe o quê?


Olhei pra ela com cara de "lá vem"...


- Acho que você TEM MEDO DE AMAR! - soltou, com uma voz bem melosa, tipo de dublagem de novela mexicana.


Só rolei os olhinhos pra cima. Enquanto isso, Gustavo, o professor pedante, estava todo atrapalhado com o projetor e o pessoal aproveitava o escurinho, cada um a seu jeito. A Ana Júlia (também conhecida como "Ô Ana Júliaaaaaaaa") e Miguel estavam engalfinhados no canto mais afastado da sala, fazendo coisas que não pretendo detalhar. Não importa a matéria do dia, pra eles é sempre aula de biologia.


- Separa que é briga! - Pedro Henrique cutucou os pombinhos - que estão mais pra coelhinhos, pelo que se vê...


O Enzo dormia no ombro da Catarina, pra variar. Na real o Enzo está sempre dormindo ou com cara de sono atrasado, pois BALADEIRO ao extremo. O nosso querido bad boy já provou substâncias feitas com elementos que nem constam na tabela periódica ainda. Catarina, a menina mais correta da sala, esperava que ele um dia a notasse. Mas, pra isso, ele tinha que estar acordado, né? Se os dois tivessem um conto de fadas, seria o Belo Adormecido.


Gustavo retomou a aula, quando percebeu que estava perdendo a turma. Já era meio tarde.
Pedro aprontou um estilingue com elástico e uma bolinha quase maciça de papel e apontou no Enzo. Acertou Catarina, porém, que resmungou alto.

- Caramba, Pedro! Para de criancice! - a voz grave do João Vitor quase nunca era ouvida na sala - Eu 'tou querendo prestar atenção na aula! João Vitor era uma espécie de robô programado para absorver o máximo de conhecimento possível, absolutamente impecável em TODAS as aulas. Até em educação física. Um verdadeiro super-homem do ensino médio. Tenho um pouco de preguiça dele - e, ao mesmo tempo, uma certa inveja, pois ele sabe exatamente o que quer. Nunca hesitou, nunca se perdeu, nunca ficou deitado na cama olhando pro teto e se perguntando se faria faculdade de Música, Letras, Design ou Administração pra ajudar a mãe. É, acho que essa sou eu. Prazer, gente, eu sou a Victoria. 


- Victoria Lúciaaaaa! - era o Pedro correndo atrás de mim no final da aula. E sempre com a mania irritante de me chamar pelo nome que eu detesto.


- Pedro, sossega! - protestei, meio sem muita disposição pra discutir. Continuei andando, ele me rodeando.

- Mas por que você não gosta do Lúcia? Não era o nome da sua avó?


- Exatamente. Eu amo minha avó, mas ela tinha nome de... velhinha! Meu pai é que fez questão... Não entendo essa mania de fazer homenagem aos antepassados em um neném que não tem culpa de nada!


- Pensa que seu nome podia ser pior, tipo Prosperina, Urânia...


- Ou poderia ser lindo, tipo VALENTINAAA - era a própria que se metia no meio de nós dois. Valentina, a amiga mais energética, talentosa e divertida que se possa imaginar. Um pouco cabeça na lua, como toda boa artista, mas a gente releva.


- Eu acho que descobri por que a Glorinha não veio dar aula... Sacou o celular e mostrou uma mensagem que havia sido enviada pela direção para todos os responsáveis.


Fiquei alguns segundo olhando para a mensagem... Dessa vez, nem o Pedro ousou fazer nenhuma piadinha. 


- Vamos investigar isso? - Valentina propôs. 


Concordamos.


********Novos capítulos da novelinha publicados às quartas e sextas desta linda primavera de 2019.


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